©Zuleika de Souza

O fotógrafo José Roberto Bassul está sempre se reinventando. Carioca, se mudou adolescente para Brasília e através das lentes de uma câmera se apaixonou pelas linhas da capital. Decide seguir sua formação em arquitetura, faz dela sua carreira e só depois de se aposentar volta a antiga paixão fotográfica. Mas depois de tanto tempo, se o olhar se apurou, a tecnologia e o mercado eram outros, e Bassul se reinventou. Fez cursos, participou de inúmeros festivais brasileiros de fotografia, e com muita generosidade trocou com outros fotógrafos e curadores.

Suas imagens de Brasília vão além do espaço da cidade. São imagens inspiradas por Brasília, mas que ultrapassam o documental: transcendem o concreto e se transformam em metáforas visuais. Desde 2015, quando voltou a fotografar, até hoje, Bassul foi ficando cada vez mais minimalista. Suas linhas geométricas e texturas de cimento, seus detalhes contrastados dos prédios candangos nos confundem. Seriam pinturas, fotografias ou até mesmo esculturas? Não importa. Robert Morris, artista minimalista que também pode ser considerado um dos teóricos do grupo, dizia que as obras minimalistas estreitam os limites com a escultura: da ilusão de três dimensões (da pintura) se juntam à tridimensionalidade dos objetos. São obras dominadas por uma totalidade.

Na evolução da obra de Bassul, suas imagens em preto e branco vão diluindo. Ele aos poucos vai filtrando os ruídos e aproveitando a quietude dos silêncios. Em uma de suas primeiras séries, “Paisagem Concretista” (que virou um livro), vemos detalhes geométricos da cidade, prédios que recortam a paisagem urbana. Passamos de uma observação certeira das feições exteriores das fachadas dos prédios, em oposição ao céu, para um estudo trabalhado das tramas e texturas em sua série “Concreto Abstrato”. Aqui o contraste do preto e do branco nos faz perder qualquer referência e focamos apenas nos desenhos das retas e curvas. O próximo passo foi retirar os últimos detalhes mais dramáticos para chegar ao essencial. Em “Poéticas Mínimas” e “Quase Nada”, Bassul diminui o vivo contraste, dilui as cores e atinge uma quieta simplicidade que se resume ao que é necessário àquela imagem, dando força a sua obra.

Em plena produção do seu segundo livro, surge no mundo o vírus Covid19. E como faz um fotógrafo da urbe em época de confinamento? Sem poder perambular pela cidade e limitado pelo espaço interno da casa? Se reinventa mais uma vez. Com a impossibilidade do deslocamento, restou ao fotógrafo buscar outro olhar. E assim surge a série “Existe vida lá fora”. Olhando pelo olho mágico, a única abertura para o mundo externo, Bassul fotografa quem adentra o corredor de seu prédio. Da cidade aberta passamos para os detalhes desse novo mundo fechado.

Assim como antes, Bassul continua fotografando o espaço, e nossa relação com ele, só que agora mais restrito às novas regras de distanciamento social. E com o fotógrafo espiamos também, as máscaras, as luvas, os personagens que adentram esse novo universo pandêmico. São imagens de um mundo ainda em descoberta.

A maior parte do que eu faço na fotografia é movido pela ideia, no construtivismo, de que a arte deve estar disponível para qualquer pessoa em qualquer lugar. Eu tento transpor o mundo objetivo, concreto, para o mundo subjetivo, sensível, e com isso estimular as pessoas a um olhar reflexivo do cotidiano. Mas isso se tornou impossível na pandemia. No isolamento eu comecei a notar que também esse mundo concreto estava cindido. E que a fronteira entre as parcelas cindidas desse mundo físico se dava na porta de casa. E que a porta de casa tem um aparato ótico que assim como a câmera fotográfica permite a mediação entre mundos. Passei então a fotografar. – José Roberto Bassul

O momento que passamos mexe com todos. Nós, criativos, artistas, estamos na linha de frente. Devemos ajudar, através de nossa arte,  evidênciando as mudanças de consciência de nossos tempos. O projeto “Confinados” do Iandé (disponível no instagram e no youtube), é uma coletânea de pequenos vídeos que evidenciam fotógrafos que trabalharam durante a pandemia para além de seus portos seguros. E que assim possibilitaram um diálogo criativo que nos ajuda a compreender os novos tempos. O primeiro vídeo da série foi com o fotógrafo João Luiz Bulcão e agora com o fotógrafo José Roberto Bassul.