11/11/2021 – 20/11/2021

IANDÉ X Photo Doc 2021

A fotografia documental brasileira em Paris

Olhares sobre o Brasil

RITUAIS DE RESISTENCIA

por Ana MENDES | Rodrigo ZEFERINO | Edgar KANAYKO | Ilana BAR

IANDÉ Photographie e Photo Doc apresentam as séries vencedoras de seu Open Call Photo Documental, iniciado durante os Rencontres d’Arles 2021. Os fotógrafos premiados contribuem cada um à sua maneira para a restauração das identidades de grupos sociais enfraquecidos que estão lutando para defender seu território contra os poderes econômicos, ou contra preconceitos. O poder singular desta fotografia brasileira inspirou o tema dos Rituais de Resistência ao Colapso.

VISTAS DOCUMENTÁRIAS RITUAIS DE RESISTÊNCIA

O Open Call IANDÉ x Photo Doc, destaca o poder de ação e transformação da fotografia documental comprometida, com um forte vínculo social de pertencimento. Não se trata aqui de apropriação, nem de olhar para o exterior. Os fotógrafos vencedores fazem parte da comunidade que documentam.

Ana Mendes, Rodrigo Zeferino, Edgar Kanaykõ e Ilana Bar

desconstruem, por meio de suas escritas singulares, a dominação normativa do olhar. A abordagem participativa e inclusiva de sua abordagem documental fornece uma resposta profundamente autêntica à representação dos assuntos que levantam e dos grupos humanos com os quais entram em contato. Irrigada por uma consciência aguda de nossa interdependência com a natureza, o questionamento de classes, pontos de vista e relações de gênero e a obrigação de enfrentar os desafios que virão, sua fotografia assemelha-se a um laboratório de olhares e contos originais, mesclando influências clássicas e transgressivas, ultramoderno e animista, revolucionário, terrestre ou ultra-urbano.

Ao apresentar essas séries vencedoras, nossa motivação comum é destacar a criatividade comprometida de fotógrafos e curadores no Brasil. As séries apresentadas fazem parte de um movimento poderoso da história que uma nova geração de fotógrafos e artistas está empenhada em tornar visível, num processo político de alteridade, a preocupação com a justiça e a criação transformadora.

OS  FOTÓGRAFOS

Pseudo Indígenas / Ana MENDES Apresenteada por Marcela Bonfim

Nos últimos quatro anos, a documentarista Ana Mendes se dedicou a retratar dois povos indígenas brasileiros, os Akroá Gamella, que vivem no estado do Maranhão, e os Guarani e Kaiowá, ancorados no Mato Grosso. Ela usou a sociologia para coletar os relatos dos próprios índios sobre suas lutas para conservar seus territórios. Essa iniciativa também a motivou a investigar os episódios recorrentes de racismo que esses povos enfrentam em todo o país. É justamente essa experiência da fotografia aliada à escrita que norteia a série “Pseudo Indígenas”. Intervindo em tinta, carvão e nanquim nas 15 imagens que a compõem, Ana traz palavras para seu quadro fotográfico. Ela insere frases que materializam o assédio diário a que essas populações são submetidas em todo o Brasil: “Não são índios, são bandidos”; “Nenhum direito é absoluto, o país deve funcionar”; “Não podemos criar parques e zoológicos para os índios.”

Por meio desse dispositivo, ela desperta no espectador empatia pela causa dos povos indígenas e indignação com a situação degradante que muitas dessas pessoas estão enfrentando. Sua série é “um grito contra o genocídio dos índios do Brasil e contra a banalização da violência que os dizima”. Referindo-se às escolas clássicas do fotojornalismo, ela também se envolve experimentalmente na visibilidade política da discriminação, por meio de uma escrita imersiva, respeitosa de seu assunto. Ela conta com a abordagem documental de “fotografia compartilhada” e “boa vontade” desenvolvida pelo fotógrafo J.R. Ripper, com quem trabalhou extensivamente. Essa metodologia consiste em compartilhar a matéria-prima de seu trabalho (fotos e vídeos) com as comunidades fotografadas com o intuito de selecionar com seu acordo um material final que corresponda à sua verdadeira autoimagem. Em outras palavras, as pessoas têm o direito de deletar imagens nas quais não se sintam representadas.

Ana Mendes é artista, documentarista e mestre em ciências sociais. Trabalha como fotojornalista multimídia para as principais mídias independentes brasileiras, como Repórter Brasil, Amazônia Real, Agência Pública e The Intercept Brasil. Ela também publicou na National Geographic Brasil, GK (Equador), Neuss Deutschland e no Washington Post. Sua pesquisa acadêmica tem como foco o racismo contra os povos indígenas Akroá Gamella, em defesa dos povos e comunidades tradicionais do Brasil e em prol dos princípios norteadores dos direitos humanos. Em 2019, o ensaio fotográfico “Pseudo Indígenas” ganhou o Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger, um dos mais importantes prêmios de fotografia brasileira.

O MANIFESTO DE ANA MENDES

PSEUDO INDÍGENAS

de Ana Mendes – fotografias com intervenção em tinta, nanquim e carvão.

Eles não são índios, são pseudo indígenas, bradou o deputado no palanque horas antes do decepamento-quase-morte de dois Akroá Gamella, no interior do Maranhão. Quilombolas, índios, gays e lésbicas são tudo o que não presta, disse o gaúcho, estimulando o amigo mete-fogo-agro-é-pop, a matar Clodiodi Aquileu de Souza, um educador Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Onze armas. 310 cartuchos. Nem um centímetro a mais para Terras Indígenas. Necropolítica. Palavra pólvora. Faz morrer, faz matar. Brasil.

PSEUDO AUTOCHTONES

par Ana Mendes
Photographies avec intervention à l’encre, encre de chine et fusain.

« Ce ne sont pas des Indigènes, ce sont des pseudo-indigènes ! » a crié le député depuis la tribune, quelques heures avant l’abattage en règle, le quasi-meurtre délibéré de deux indiens Akroá Gamella, dans les terres du Maranhão. « Quilombolas, Indiens, gays et lesbiennes, ils sont tout ce qui ne va pas ! » a déclaré le gaucho, en encourageant son ami.

«Mettez-le-feu – Agro-is-pop*»: le mot d’ordre qui a tué Clodiodi Aquileu de Souza, un éducateur Guarani Kaiowá. Mort sous les balles dans le Mato Grosso do Sul. Onze fusils. 310 cartouches.

« Pas un centimètre de plus pour les terres autochtones ! ». Nécropolitique. Mots de poudre noire. Qui tuent, qui font tuer. Brésil.

*Agro-is-pop est un slogan des partisans de Bolsonaro en faveur de l’exploitation des terres autochtones et servant les intérêts de l’agro-business mondial.

O grande vizinho / Rodrigo ZEFERINO Apresentado por  Eugênio Sávio

A série de Rodrigo Zeferino destaca a cidade de Ipatinga, localizada no Vale do Aço, Brasil. Construída e planejada para se tornar esse imenso aglomerado industrial, Ipatinga e sua população vivem ao ritmo das siderúrgicas que abriga. O horizonte impõe a presença deste grande vizinho industrial, fornecedor, gerador de empregos e também de doenças pulmonares. Ou seja, em Ipatinga, o ponto de vista singular de uma pessoa é o ponto de vista de todos.

A massa fumegante e compacta da fábrica invade o horizonte e se impõe ao indivíduo, anestesiando todas as formas de resistência. O povo deste vale, portanto, não tem escolha a não ser se acostumar com a paisagem, sem escapar. O olhar documental de Zeferino torna visível esse equilíbrio de forças e transforma em poesia essa convivência aparentemente pacífica em um ambiente distópico, tornando-a em si um ato de resistência.

Após uma passagem pelo fotojornalismo, Rodrigo opta por seguir o caminho da fotografia narrativa experiencial. A paisagem é o seu tema preferido: ele decifra seu enigma e seus signos – elementos que a compõem por meio de sua interferência no homem.

Eu sou Xakriabá / Edgar KANAYKÕ  apresentado porMilton Guran

Edgar Kanaykõ pertence ao povo indígena Xakriabá, é mestre em antropologia pela UFMG e tem atuação livre na área de etnofotografia. Os indígenas Xakriabá fazem parte do tronco linguístico macro-jê da família Jê, que se subdivide em Akwẽ, junto com seus parentes mais próximos, os Xavante e Xerente. Está ancorado na região norte do estado de Minas Gerais, no município de São João das Missões. Como muitos povos indígenas do Brasil, o povo Xakriabá luta principalmente pela garantia de seu território ancestral e pelo direito à sua identidade, à persistência e à transmissão do que é. Além de um meio de registrar um aspecto da cultura e da vida de seu povo, a fotografia de Edgar Kanaykõ pretende ser uma “ferramenta de luta”, permitindo que o “outro” veja através do olhar de um povo indígena.


Um casa em transparência/ Ilana BAR apresentada por Sinara Sandri

Desde a infância, Ilana Bar se inspirou nos rituais do cotidiano de sua família. Um universo inclusivo e generoso em que ninguém se define por sua condição ou fica preso a um diagnóstico. Aqui, cada um aparece antes como o protagonista de uma história de amor e carinho que está sendo escrita. Em diálogo com uma tradição documental de imersão a longo prazo baseada na confiança entre o fotógrafo e o seu sujeito, o artista partilha um ponto de vista introspectivo, agudo e natural, permitindo que surja uma imaginação poética ligada à potência emocional. Corpos no espaço. Seu dispositivo, ao brincar com espelhos inusitados e replicados, provoca uma reflexão sobre nossa percepção de alteridade. O trabalho de Ilana Bar é mais do que uma demonstração de respeito pela diferença – é um desafio à própria ideia de normalidade.

Ilana Bar é uma jovem pesquisadora e fotógrafa brasileira, formada em fotografia pelo Centro Universitário Senac e mestre em artes visuais pela Universidade de São Paulo. Seus projetos e pesquisas enfocam o universo familiar. Em 2010, conquistou o primeiro lugar no 8º Festival Internacional de Imagem de Atibaia com a obra “Tão Down”. Em 2017, ela participou da exposição International Fotofest em Houston, com a série que estamos apresentando. Essa mesma série venceu o Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger 2016/2017, em Salvador da Bahia.


O OPEN CALL

L’Open call

O concurso Rituais Fotográficos / Rituais de Resistência foi organizado para o Rencontres d’Arles 2021, com a participação de quinze dos mais importantes curadores de exposições do Brasil, representativos das cinco principais regiões do país. Seu olhar curatorial nos permitiu trazer à tona os trabalhos de cerca de trinta fotógrafos da cena francesa, em conexão com os principais festivais brasileiros associados ao evento.

A comissão de seleção francesa é composta por cinco membros: Glaucia Nogueira, cofundadora do IANDÈ e curadora, Charlotte Flossaut, fundadora do Photo Doc, Sophie Artaud, diretora cultural do projeto, Julia de Bierre, curadora e fundadora da Galerie Huit Arles e Christine Barthe, chefe da unidade de patrimônio fotográfico do museu Quai Branly.

Os curadores vencedores são Marcela Bonfim para Ana Mendes, vencedora do Open Call, Eugênio Sávio para Rodrigo Zeferino, Milton Guran para Edgar Kanayko e Sinara Sandri para Ilana Bar.

O projeto recebeu apoio de Mutuelles du Soleil e da Galerie Huit Arles.

IANDÉ é uma associação cultural internacional que aposta na presença e promoção da fotografia brasileira na Europa, e na comunicação de seus atores, curadores e festivais. Acreditamos na força do coletivo. Acreditamos nas imagens e em seu poder de dar visibilidade às grandes causas brasileiras. Queremos multiplicar os olhares, as interpretações, as reações às diferentes visões fotográficas e descobrir a que conduzem.

Photo Doc apóia e afirma seu compromisso com a fotografia documental e o poder de atuação das imagens com encontros anuais decorrentes dessas abordagens: a Feira Photo Doc, curadorias em galerias, mesas redondas, oficinas educativas, performances teatrais, entrevistas de acervo com fotógrafos e publicações.

AS ORGANISADORAS

Gláucia NOGUEIRA é cofundadora da IANDÉ, plataforma que estabelece um vínculo cultural entre a França e o Brasil. Com o objetivo de criar iniciativas para aumentar a presença da fotografia brasileira na França, a IANDÉ promove a interação entre fotógrafos, curadores, galerias, colecionadores, educadores e instituições comprometidas com as causas humanitárias e ambientais. A ideia de criar IANDÉ nasceu no Brasil, quando ainda era diretora de criação, responsável por inúmeras campanhas de políticas públicas, solidariedade e interesse geral em prol de causas importantes. Glaucia começou a fazer filmes publicitários em 2001. Sempre apaixonada por imagens, é também diretora de filmes institucionais na França. Glaucia representou o Brasil no Forum d’Avignon pour la Culture por três anos consecutivos e no Rencontres d’Arles com a IANDE. Graduou-se em Comunicação pela PUCMG e em Cinema e Fotografia pela Universidade Federal de Minas. Gerais (UFMG) e também em História da Arte na Escola do Louvre.


Charlotte FLOSSAUT é a cofundadora da Photo Doc. Passou de uma carreira internacional de supermodelo, lançada em 1986 por Alexander Lieberman, lendário diretor artístico do grupo Condé Nast, para a de agente de fotógrafos. Em 2003, aposta com a agência Dimanches 27 para conciliar a abordagem única dos jovens autores com as expectativas da publicidade. Em seguida, vem o encontro decisivo com Eric Fantou, este “visionário inadequado”, fundador da Photo Off, que a impulsiona em 2012 como diretora artística de seu salão. Descobrindo a energia intransigente de toda uma jovem geração de fotógrafos, ela comprometeu firmemente o Photo Off por três edições ao lado de autores ativistas, diante dos grandes desafios do mundo. Em 2015, ano dos atentados em Paris, fundou a Feira de Fotografia Documental What’s Up Photo Doc, com Bernard Plossu, grande fotógrafo nômade como patrocinador, que em 2018 se tornou Photo Doc, uma afirmação da essencial aventura documental.


Sophie ARTAUD é documentarista e autora, programadora e treinadora. No início de sua carreira, ela trabalhou para vários canais públicos e trabalhou por vários anos como editora-chefe de uma revista cultural documental dedicada à criação europeia para a France 5 e Arte – da performance ao vivo à arquitetura, do design ao cinema ou à fotografia. Lá, ela retrata fotógrafos tão diferentes como Keichi Tahara, Xavier Lambours, Luc Choquer ou Serge Lutens. Depois de um primeiro 52 ‘para a França 3 sobre práticas culturais, ela refinou sua visão no Ateliers Varan e se juntou à família do cinema documentário. Além de trabalhar como autora em seus filmes, ela lecionou por vários anos em escolas de arte, de ESRA a ENSAv ou STRATE. Ela também falará no ECPAD. Desde 2018 está envolvida no desenvolvimento cultural do Photo Doc, onde oferece um programa em torno da escrita documental, desde a mediação à realização de curtas-metragens ou performances teatrais. Em 2021, criou e abriu uma oficina de escrita e produção documental na École des Gobelins.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos curadores e fotógrafos brasileiros que contribuíram para o sucesso deste projeto:

Denise Camargo pour Fer d’Andrade et Michelle Bastos
Diógenes Moura pour Dani Tranchesi et Daniel Kfouri
Eder Chiodetto pour Ana Carolina Fernandes et Lalo de Almeida
Eduardo Queiroga pour Maíra Erlich et Mateus Sá
Eugênio Sávio pour Marilene Ribeiro et Rodrigo Zeferino
Ioana Mello pour Isis Medeiros et le binôme Rodrigo Pinheiro/Gal Marinelli Lucila Horn pour Ana Soukef et Soninha Vill
Makiko Akao pour Paula Sampaio et Tarso Sarraf
Marcela Bonfim pour Ana Mendes et Joelington Rios
Marcelo Reis pour Alex Oliveira et Ananda Nunes
Mariano Klatau pour Gabriela Massoti et Ionaldo Rodrigues
Milton Guran pour Edgar Kanaykô et Ratão Diniz
Mônica Maia pour Helen Salomão et Rafael Vilela
Sinara Sandri pour Erick Peres, Tiago Coelho et Ilana Bar
Tiago Santana pour Celso Oliveira et Youri Juatama

Agradecemos especialmente à cofundadora do IANDE, Isabel Brossolette Branco, pelo seu empenho e apoio.
Agradecemos calorosamente:

Joaquim Paiva

E o nosso jury Jury :

Christine Barthe, Julia de Bierre, Sophie Artaud, Charlotte Flossaut, Glaucia Nogueira

As galerias:

 A Ville de Paris/Mairie Centre pelo apoio à exposição nas portas dos jardins de Saint-Paul.

Textos sobre os fotógrafos feitos pelos curadores

Editorial e tradução na França por  Sophie Artaud e Glaucia Nogueira.