Rosa Gauditano é uma fotógrafa brasileira que sempre soube usar suas imagens em favor das minorias. A causa indígena é prioritária nas suas ações e projetos. Mas desta vez, além das imagens, Rosa nos impacta também com os números da pandemia nas comunidades indígenas brasileiras.  Grito de urgência para salvar do genocídio os povos da Amazônia e de todas as terras indígenas do Brasil

Indígenas brasileiros pedem ajuda contra Covid-19

Por Rosa Gauditano.

Atualmente, existem 305 tribos indígenas no Brasil, compostas por cerca de 900 mil pessoas que falam 274 idiomas diferentes.
A pandemia de covid-19 já atingiu 133 povos indígenas, segundo a Coordenação das Associação Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB Amazonia). Até novembro de 2020, 28.241 pessoas foram infectadas e 695 morreram.

O epicentro da epidemia está na região Amazônica, onde 104 profissionais de saúde indígenas foram infectados com a covid-19, incluindo 76 nas terras indígenas Yanomami e 28 no estado Amazônico. Na tribo Kokama, no Alto Solimões, 52 pessoas morreram.

No estado de Roraima, após a morte de um índio Yanomami em abril, a Associação Hutukara Yanomami decidiu que eles deveriam se mudar para a floresta para escapar da contaminação. Apesar disso, outros 9 Yanomami morreram e 1050 estão infectados, dos quais 48% contraíram o vírus na Casa de Saúde Indígena, na capital Boa Vista, e 24 na TI Yanomami. As terras dos Yanomami foram invadidas por mais de 20 mil garimpeiros. O povo Yanomami começou uma campanha mundial #ForaGarimpoForaCovid para pressionar o governo brasileiro a expulsar os garimpeiros das suas terras.

Segundo a Survival International, os “Arara”, nativos da terra natal de Cachoeira Seca, no Pará, atualmente possuem a maior taxa de contaminação por Covid-19 na Amazônia brasileira. Segundo o Distrito Especial de Saúde Indígena, 46% dos 121 nativos contatados em 1981 estão infectados. Esta terra nativa é uma das mais invadidas por madeireiros e ladrões de terras, os “grileiros”.

A Coordenação de Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab Amazônia) anunciou que as Associações Kanamari do vale Javari e a Associação dos Matsés do alto Jaquirama enviaram uma carta às autoridades para denunciar e solicitar uma investigação sobre a proliferação de covid-19 pelo exército brasileiro e pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) no território indígena do vale do Javari, na fronteira do Peru e Colômbia, em particular no canal Médio Rio Javari. Esta região tem 6.000 indígenas contatados e 16 povos isolados.

Povos indígenas em risco.

O site de notícias da Intercept mostrou um vídeo publicado em abril e distribuído a soldados e civis no qual o general do exército brasileiro Antônio Manuel de Barros, 57 anos, disse a seus comandos que procurassem se contaminar, incentivando o aparecimento de coronavírus para “imunizar as tropas” que trabalham em abrigos para refugiados na Venezuela, na fronteira do estado de Roraima. Os militares já representavam 26% dos casos de covid-19 no estado. O general Barros é o comandante militar da Operação Recepção e substituiu o general Eduardo Pazuello, atualmente ministro da Saúde em exercício.

Na última coletiva de imprensa do governo federal sobre a covid-19, o diretor da Secretaria Especial de Saúde Indígena, Robson Santos, indicou que a Operação Acolhida está em andamento nos dois distritos de Yanomami. e leste de Roraima. ”

Em Manaus, capital do estado do Amazonas, o Distrito Especial de Saúde para Povos Indígenas (DSEI) confirmou que muitos pacientes indígenas que estavam sendo tratados por outras doenças foram infectados no centro de saúde e nos hospitais. estadual e municipal, depois retornaram às suas aldeias.

Os hospitais da cidade de Manaus estavam em plena capacidade e agora a situação é ainda mais crítica fora da capital. O único hospital com uma unidade de terapia intensiva (UIT) fora de Manaus fica na cidade de Tefé, a cerca de 522 km da capital.

A segunda região do Brasil mais afetada pela covid-19 é o nordeste / Minas Gerais / Espírito Santo, onde as populações indígenas vivem em áreas muito pobres. Até agora, 52 pessoas morreram nesta região.

No Mato Grosso, centro-oeste do Brasil, 41 índios Xavante já morreram. Eles reclamam que os nativos infectados se misturam com os não infectados.

Como em todo o Brasil, os números do covid-19 estão subestimados. Segundo Sonia Guajajara, presidente da APIB, “quando se compara os números publicados pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) com os observados pelo movimento indígena, eles revelam uma lacuna surpreendente. Além do descaso de Estado brasileiro, também existe um racismo institucionalizado.

As populações indígenas do Brasil nunca foram tão organizadas.

O Brasil possui 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas  (DSEI). Eles são responsáveis ​​pelos cuidados de saúde das pessoas que vivem em aldeias indígenas. No entanto, 36% dos indígenas do Brasil vivem em áreas urbanas e não são de responsabilidade ​​dos DSEIs, mas sim do SUS, o Sistema de Saúde Brasileiro, onde geralmente são vítimas de discriminação.

A Fundação Nacional Indígena (FUNAI) não está funcionando como deveria. Atualmente, é chefiado pelo ex-chefe de polícia Marcelo Xavier, assessor do grupo parlamentar representante do agronegócio,  no inquérito parlamentar ao INCRA (1) e Funai (2).

Marcelo Xavier, quando questionado sobre o que a FUNAI faz para defender os Yanomami contra garimpeiros em suas terras, explicou que ela monitorava a mineração com 28 barreiras sanitárias, em vez de remover os mineiros das terras dos Yanomami e defender os povos indígenas.

O fracasso do governo Bolsonaro em combater a pandemia de coronavírus está afetando os povos indígenas em todas as regiões, agravando uma situação já terrível. No ano passado, 150 territórios indígenas foram invadidos por grileiros, madeireiros e garimpeiros,  instigados pela linha diretiva do governo federal. Eles queimam florestas e assassinam líderes indígenas. Além disso, o governo federal apóia a conversão dos nativos ao cristianismo pelos missionários evangélicos.

Há alguns dias, os brasileiros puderam assistir perplexos, a um vídeo divulgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que mostra uma reunião entre o presidente Bolsonaro e seus ministros. No vídeo, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que odiava os povos indígenas, enquanto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, falou em aproveitar esse período da pandemia de coronavírus para aprovar reformas de desregulamentação, simplificam regras e modificam as leis ambientais em benefício dos setores mais poderosos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o projeto de lei PL2633, que estabelece o chamado “Marco Temporal” (3), limitando as reivindicações dos nativos e suas demandas históricas por terras. O parecer 001/2017 da Procuradoria Geral da República (AGU) é inconstitucional e é utilizado para legalizar invasões, legitimar despejos e ocultar atos de violência contra povos indígenas antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. Se a decisão for contra os povos indígenas, o Brasil e o meio ambiente global serão diretamente afetados.

O juiz Edson Fachin adiou a votação devido à pandemia, após pressão de povos indígenas e organizações de direitos humanos, até que o tribunal possa julgar pessoalmente.

Apesar de tudo isso, as populações indígenas do Brasil nunca foram tão organizadas. Este mês, a APIB organizou on-line uma grande assembléia nacional de resistência indígena para abordar questões como o diagnóstico regional de Covid-19 nas aldeias.

Os povos indígenas estão acostumados a lutar por seus direitos há 520 anos e estão unidos em encontrar novas maneiras de exigir melhores cuidados de saúde e defender suas terras e o meio ambiente

(1) INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(2) Em 2017, o inquérito parlamentar presidido pelo Farmers ‘Caucus teve como objetivo processar antropólogos, nativos, funcionários públicos e membros executivos da FUNAI e INCRA, além de ONGs. A idéia era encerrar a Funai, interromper a reforma agrária e alterar os critérios de demarcação de terras para povos indígenas e antigas comunidades de escravos (quilombos).
(3) “Marco Temporal”: prazo. A idéia deste projeto de lei é estabelecer que as reivindicações de terras indígenas só seriam reconhecidas por lei se os povos indígenas ocupassem essa parcela específica de terra em 1988, ano em que a atual Constituição Brasileira foi estabelecida.

Por Rosa Gauditano

email: studior@studiorimagens.com.br

Fotógrafa Ros GauditanoRosa Gauditano é uma fotógrafa, jornalista e ativista. Por mais de 30 anos, ela documenta a vida de povos indígenas de várias etnias e as mais diversas regiões do Brasil. Rosa já documentou as etnias Karajá, Kayapó, Tucano, Waurá, Yanomami, Xavante, Guarani e Pankarau. Em 2004, em parceria com o grupo étnico Xavante, criou a Nossa Tribo, uma ONG cujo objetivo é construir uma ponte entre cidades e vilas indígenas. Ensinou fotografia na PUC (Universidade Católica de São Paulo) e trabalhou no jornal Folha de São Paulo e Veja. É autora dos seguintes livros: Índios, Os Primeiros Habitantes, Raízes do Povo Xavante, Festas de Fé, Guarani M’Byá na Cidade de São Paulo e Povos Indígenas no Brasil.