A maioria das fotografias que circulam hoje, a grande parte dos projetos que vemos, mesmo que excelentes e fortes, parecem com algo que já vimos antes. Trazem fortes inspirações de outros fotógrafos, ou movimentos fotográficos. Mas quando vemos a fotografia de Shinji Nagabe, algo de inusitado e profundamente verdadeiro nos toca.
Então decidimos decifrar aqui para você, o pensamento Shinjiniano. Ou seja, colocamos no papel o que nos ensina o ritual fotográfico de Shinji Nagabe, e que faz da sua fotografia, algo transformador. Shinji faz parte desta nova geração que escolheu a trans-territorialidade. Capaz de morar em qualquer lugar do mundo. Já viveu no Japão, na França e mora hoje na Espanha.
Mas o que faz do seu olhar uma revolução, é que Nagabe faz o que nós do Iandé chamamos de filosofia fotográfica. Cada nova série que surge, surge como uma aula sobre modos de ver, obrigando o espectador a repensar seu ponto de vista, sua visão de mundo. A interagir totalmente, a se deixar capturar e questionar sua própria escala de valores. Tudo isso com uma dose incrível de ironia e poesia, para usar a expressão francesa : du jamais vue ( do jamais visto). Shinji nos tira da zona de conforto, abalando nosso saber fotográfico, porque nos traz o diferente sem perder essa visão intimidadora, satírica e antropológica da vida.
Não foi à toa que neste últimos anos Shinji foi Finalista do prêmio Gávea de Fotografia, do Prêmio HSBC, e do Prix Découverte Louis Rœderer  com a série República das Bananas( Les Rencontre d’Arles -2019), e do Prix Maison Blanche no Photo Marseille.  et le prix Maison Blanche du festival Photo Marseille. Shinji expõe atualmente à Barcelona. Ele também faz parte dos fotografos escolhidos pelo Iandé para participar da série « Confinados ».

Dez mandamentos Shinjinianos

  1. Domine os processos e busque em você a capacidade da criação da fotografia. De partir da folha em branco, sem referências. Tente transformar o tempo em uma narrativa consistente do mundo a sua volta, faça uso da lente mágica, que não se pode comprar em lugar algum e que se chama pura imaginação.
  2. Traga a sua infância e a memória com uma grande habilidade de acrescentar camadas ao que está para ser visto e que nem sempre conseguimos enxergar. Como quem constrói um novo brinquedo, crie o lúdico. Se tiver que escolher uma arma que nos ajude a vencer a realidade crua mas que acabe sendo mais contundente e cruel que a própria realidade, escolha a pistola de água.
  3. Se permita. Se autorize. Sem censura. Tenha um universo só seu.
  4. Acredite no seu pensamento criativo. Ou seja no absurdo da idéia improvável que muitos descartam sem ao menos explorá-la. Vá além do seu limite.
  5. Leve sua produção fotográfica ao extremo. Experimente. Corte, cole, transforme.
  6. Fale do que você conhece. O que te toca, o que te incomoda, com embasamento real. Ou seja, seu projeto só terá repercussão se ela tiver uma base no senso comum, nos arquétipos universais, no seu próprio universo .
  7. Questione a essência do estranho, o estrangeiro, o objeto de obsessão, o que ainda não é. Invente novas conexões fotográficas.
  8. Ame o humor como matéria prima. Ele ajuda a aparar as arestas entre realidade e ficção.
  9. Preserve a não identificação, mas identifique. Trabalhe a identidade, aproxime identificante e identificado, dando aos outro à capacidade de se reconhecer nos seus personagens.
  10. Tenha um discurso coerente. Ampliado. Desperte a controvérsia.

Nós convidamos você a descobrir  “Re-vueltas”, a nova exposição de SHINJI NAGABE, onde toda esta filosofia fotográfica  ganha nova dimensão. A exposição acontece neste momento em Barcelona,  e tem texto de abertura de Carmen Dalmau.

De 11  de fevereiro à 20 de março, 2021 // SALA CAVA –  Centro Cívico Can Basté – Barcelone

A restituição do rosto.

Por Carmen Dalmau

Shinji Nagabe incorpora a essência do sincretismo. O distanciamento faz parte do seu olhar em sua evolução vital. Em seu estar no mundo fluem múltiplas histórias e diversas geografias. Ao retornar às regiões brasileiras que outrora habitou, ele o faz sentindo a terra tremer como se fosse uma extensão de seu corpo.

É difícil tratar com dignidade a representação de crianças e adolescentes carentes e gravemente feridos pela sua própria realidade. Muito mais difícil  aida conseguir fazê-lo  com um senso de humor sutil e inteligecia.

Os retratos de Nagabe podem parecer festivos, alegres, cheios de luz, saturados de cor.

Em « RE VUELTAS », ele restaura cada fronte. Sete anos se passaram desde que retratou os jovens de Itabaianinha, velando seus rostos com tecidos e flores que os transformaram em seres fantásticos e oníricos, como personagens de histórias de um surrealismo tropical.
Nos retratos de grupo, ele preserva o segredo dos rostos, com o dinamismo dos corpos, obrigando o espectador a exercer a empatia. Qualquer rosto pode ser o de um desses adolescentes despojados de seus sonhos de sucesso e fama segundo os modelos que a sociedade lhes impõe. Elas sonhavam em ser princesas ou campeãs, protagonistas de histórias de amor e luxo, embora acabassem sendo mães adolescentes, pedreiros ou desempregados.

O rosto sempre foi considerado como uma parte do corpo que revela a alma. O retrato serve para dar presença ao ausente, aqui ele ressurge como a presença do ser esquecido da terra,  o artista escolhe a máscara para devolver a dignidade às pessoas retratadas.
Shinji Nagabe tem o virtuosismo de garantir que uma instalação recreativa mantenha o caráter de denuncia para evidênciar as condições dos habitantes das áreas deprimidas de seu Brasil natal.

Os balões de hélio que costumam evocar felizes aniversários, aqui, apresentam bocas sorridentes com dentes muito brancos e concentram toda a expressão, mas têm as órbitas vazias que acentuam as emoções que desencadeiam. Eles são uma orografia emocional que se eleva ligeiramente. Por um momento, eles se tornaram os protagonistas da festa, de sua própria história e podem reavivar uma esperança que ainda espreita em algum recanto escondido de sua essência mais íntima


Carmen Dalmau
Carmen Dalmau é licenciada em História da Arte e História Moderna e Contemporânea. Diretor da Galería Cero, especializado em fotografia contemporânea. Professor de História da Arte e Estética no Mestrado em Fotografia EFTI. Curador independente e crítico de arte. Autor do blog de fotografia “Ante vuestros ojos »