[Descobrindo artistas d’atualidade] : « Apesar da poeira que escurece nosso olhar, algo sempre está por vir. »
Há duas décadas, Rodrigo Braga vive um combate íntimo, um corpo a corpo com as forças que unem ou se opõem ao homem e à natureza. O artista brasileiro não se esquiva ao abordar a animalidade que está adormecida em cada um de nós. Ele expõe no Salon H em Paris de 16 de outubro a 12 de dezembro de 2020.
Como um xamã, Rodrigo Braga nos inicia ao atelier da natureza.
Auteur : Marc Pottier, curador , vive e trabalha entre o Rio de Janeiro e Paris
Não acredite nas aparências! Este moço que parece tão doce tem uma determinação surpreendente. Rodrigo Braga não cessa de abalar os limites entre o homem e a paisagem. E é difícil definir com precisão o seu campo de ação artístico e espiritual!
Desde o berço, esse artista tem um contato privilegiado com as riquezas naturais e espirituais da floresta amazônica. Nasceu em 1976 em Manaus em uma casa de pesquisadores e ecologistas pioneiros, localizada na “porta” da Amazônia. A natureza tornou-se seu ateliê. Ele a investe fisicamente no sentido próprio do termo, e deixa traço por vídeos, vestígios fotográficos e muitos livros: “ Trabalho sobre a capacidade do ser humano de criar sistemas que se ligam à natureza, que a modificam ou extraiam-se elementos, e percebo que apesar de todas as contradições possíveis, fazemos parte desta natureza e de suas mudanças.”
Ser tão grande quanto a floresta.
Na obra de vídeo “Tônus” que foi apresentada na 30ª Bienal de São Paulo em 2012, seu corpo atua na natureza como quem ‘mede forças’com ela, ora proativa ora repulsiva mas tendo a morte sempre por perto . Ele nos dá seu incrível inventário de mimetismo entre o mundo vegetal e animal. Seu vídeo maniqueista que é “Mentira Repetida” produzido no Rio Negro em 2011 pode, sem dúvida, ser considerado um destaque: Diante da imensidão da paisagem tropical, praticamente intransponível, o artista decidiu ser tão grande quanto a selva, permeando seu corpo nas árvores e existindo através do grito, seu grito. “A performance foge ao seu controle para se tornar uma existência espontânea”.
Investir a natureza, mas deixá-la intacta.
No entanto, Rodrigo que atualmente mora em Arles não pode ser rotulado de « Land Artist ». Seu trabalho é temporário; ele abraça a Natureza, se funde com ela. Sem apropriação. Ele mal a toca, preferindo deixá-la intacta, enquanto captura seus mistérios. Nada de Robert Smithson Spiral Jetty, mas sim obras íntimas encarnadas nas quais seu corpo serve de elo com a Mãe Terra.
Para ele, o corpo, seu corpo, é uma garantia de autenticidade. Este artista xamã sabe aproveitar sua história pessoal enquanto mobiliza os símbolos que permitem que suas performances fixem o ponto mais exato de tensão entre seu ambiente e a psique humana. Seu engajamento quase mediúnico libera ou desafia nosso inconsciente coletivo, do qual captura e expõe as ambivalências.
Experiencias radicais de hibridismo.
O que é que nos diferencia como ser biológico? Que relações mantemos com o mundo animal, vegetal e mineral? Desde 2004, Braga explora fisicamente a fronteira entre o animal e o humano por meio de experiências radicais de hibridismo: se ele costura a cabeça de um cachorro no rosto, se mostra colocando a língua de um boi para fora da boca, transforme-se em homem-peixe, apega-se a uma cabra ou luta contra um caranguejo gigante. Pensamos no artista americano Chris Burden (1946-2015), cuja ideia de perigo pessoal como expressão artística foi central. Pensamos também no resgate pelos camponeses da Crimeia de Joseph Beuys (1921-1986), e suas práticas ancestrais. Como seus precursores, Robrigo Braga privilegia os temas da energia vital e a relação do indivíduo com a humanidade e o cosmos.
Inventário de mimetismos.
Nos vídeos e em algumas fotografias, o artista se retrata, nu, atuando, performando. Exercita sua relação com natureza em igualdade de condição, carregando um equilíbrio de poder necessariamente assimétrico. Sua obra não exclui o mortal, o repugnante e mostra ao público um estado de tensão, energias latentes, de forças suspensas entre seu próprio corpo, o mundo animal com o qual ele se encontrou em igualdade de condições e natureza. A partir de 2009, faz intervenções directamente no espaço natural que o rodeia: cava, extrai, move-se, levando ao extremo seus limites físicos e mentais, indo por exemplo enterrar-se com uma cabra morta.(Comunhião/ communion 2006)
O homem se inscreve num tempo mineral.
Mas Rodrigo Braga também sabe se distanciar das raízes brasileiras. Para a sua exposição pessoal, inaugurada por ocasião de Nuit Blanche em Paris em 2016, o seu “Mar interior” ocupou a bacia da esplanada situada entre o Palais de Tokyo e o Musée d’Art Moderne em Paris. A instalação monumental, composta por 45 grandes pedras de calcário incluindo fósseis incrustados, revelou vestígios do mar pré-histórico que cobriu a cidade cerca de 45 milhões de anos atrás. “Simbolicamente, enceno as profundezas do mar. A cascata de pedras que desce em direção ao Sena tece um elo entre um mar interior reconstituído e o rio que atravessa a cidade. Evoca o passado geológico de Paris que está sempre presente em nosso dia a dia.” Ele comentou.
O ovo que vê au-delà.
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“Ao contrário do ovo cego que nunca choca, ofereço-lhe o ovo que vê além. Um novo ovo diferente de todos os outros, mas que carrega consigo um eterno arquétipo ” indica Rodrigo Braga no centro da sua próxima exposição, “ O ovo que vê ”, apresentada no Salão H. Qualquer presença animal desapareceu. A terra e as árvores carbonizadas viraram cinzas, carvão, cal, cobriram o corpo do artista. As oposições tornaram-se binárias: preto / branco, pedra / vida. Somente a presença de pedras brancas com forma ovóide regular traz a promessa de renascimento. Presas na palma da mão e observadas de todos os ângulos, essas pedras revelam “a quem pode ver” a presença de um olho e tornam-se um talismã.
O simbioceno, ou a promessa de um renascimento
Diante dos retrocessos, da violência e das incertezas ecológicas, políticas, econômicas … que abalam o mundo inteiro, esta “pedra de ovo onisciente” é a esperança de uma possível renovação. Rodrigo Braga recusa de fato qualquer visão apocalíptica, essa “solastalgia” descrita por Glenn A. Albrecht, autor do livro “As emoções da Terra” (Les Liens qui Libéré, 2020), essa emoção crônica vivida em face de uma mudança ambiental percebido negativamente, uma espécie de angústia ”. Como o filósofo ambientalista australiano Braga compartilha da necessidade radical da passagem do Antropoceno ao “simbioceno” descrito como “o advento do governo dos vivos para todas as espécies vivas sem exceção”, o único capaz de abrir um futuro harmonioso para a Terra.
É hora de descobrir e dar a conhecer as visões deste brasileiro-arlesiano convencido da possibilidade de uma passagem do Caos à ordem simbiótica, com grande economia de meios. Ainda mais em Arles, o xamã não acaba de nos surpreender.
Para seguir Rodrigo Braga
Para saber mais : https://www.rodrigobraga.com.br/