Há quase um mês em cartaz, a exposição “Claudia Andujar – la lutte Yanomami” na Fondation Cartier é imperdível. A importância da obra de Claudia, de sua carreira e de sua luta fica claro quando vemos que a fundação consagrou todo o seu espaço à artista, numa das maiores exposições desse porte. São dois andares onde podemos acompanhar toda a luta da fotógrafa pelo povo indígena Yanomami: nas suas imagens fotográficas, sua biografia, em vídeos de entrevistas com ela e outras personalidades, em desenhos indígenas e em uma instalação audiovisual sobre o genocídio dos índios, “Genocídio do Yanomami: morte do Brasil”. Suas fotos são oníricas com colorações surreais, imagens fluídas, cantos recortados, entre outros recursos. Ao documentar imersa na floresta escura, a fotógrafa usa algumas técnicas que causam esses efeitos: como filmes mais sensíveis e aberturas do diafragma maiores, filmes infravermelho e dupla exposição.

© claudia andujar

A exposição passou pelo Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro e de São Paulo antes de vir a Paris. O curador, Thyago Nogueiro, do IMS de SP, trabalhou durante anos nos arquivos da artista até chegar a esse recorte final de imagens. O resultado é surpreendente, ainda mais quando paramos para pensar no trabalho gigantesco que ele deve ter tido na edição dessas fotos. Com um olhar pessoal, sensível e poético, mas ao mesmo tempo de documentação e militância, Claudia perpassa a beleza do índio, sua cultura, seu cotidiano. Seu olhar não fica estagnado no clichê, nem no exótico, vai além, numa construção e comunicação mútua e respeitosa que traduz uma relação de longa data.

E a exposição se desenrola justamente marcada por esse diálogo construtivo com o público. Ao longo vamos descobrindo as diferentes facetas dos Yanomamis e também da artista: sua intimidade, seus ritos, sua identidade, sua arte, sua militância. Particularmente, fiquei emocionada com a sala desvendada ao descermos as escadas da fundação. Duas paredes se olham, de um lado retratos individuais finíssimos em preto e branco feitos por Claudia, do outro, desenhos coloridos feitos pelos indígenas para descrever sua visão da floresta e do cosmos. Duas visões que se entremeiam, duas culturas, duas histórias que dialogam e nós, o público no meio dessa rica troca.

©claudia andujar

De origem suíça, Claudia Andujar foge para a América durante a segunda guerra mundial e acaba no Brasil em 1955, mas precisamente em São Paulo onde ainda vive atualmente com 89 anos. Foi em 1971, para uma reportagem para a revista brasileira “Realidade”, que ela encontra e fotografa os índios Yanomamis ao norte da floresta Amazônica. Ela retorna inúmeras vezes na região, até 1977, sempre se aprofundando mais com a cultura e o povo indígena. Entre 1977 e 1980 ela é expulsa e proibida, pelo governo militar, de voltar ao território Yanomami. Mesmo longe, Claudia continua a luta, dessa vez de maneira um pouco menos artística e mais militante. Ela cria uma ONG, junto aos índios, como o xamã e ativista yanomami Davi Kopenawa, para defender e preservar a cultura e o território indígena e viaja pelo mundo pleiteando sua causa. Em 1992, finalmente o governo brasileiro reconhece oficialmente o território indígena e sua conservação.

De lá para cá, infelizmente, sua causa se tornou atual mais uma vez. E isso fica claro no vídeo exibido na exposição onde o presidente Jair Bolsonaro fala abertamente ser a favor dos garimpeiros e latifundiários e contra a demarcação dos territórios indígenas. Uma bela tomada de posição de toda a equipe da exposição e da fundação. E um importante apelo, objetivo, feito internacionalmente para a urgência da luta de Claudia que também é nossa.

*A exposição “Claudia Andujar: la lutte Yanomami” vai até 10 de maio na Fondation Cartier em Paris.