“Meu nome é João Luiz Bulcão, sou fotografo e moro em Paris há 22 anos. Acostumado a viajar para documentar diversos temas em diferentes lugares é aqui em Montmartre onde estou confinado. Neste período critico que estamos vivendo tenho vontade de documentar a cidade de Paris vazia. Se não fossem aqueles que teimam em sair de casa, os pássaros voando e o vento que faz as arvores ou as flores dos balcões balançarem, Paris pareceria uma fotografia, estática e silenciosa. Mas não é o caso. Da minha janela vejo gente fazendo jogging, andando com sacolas de compras, algumas crianças brincando nas ruas, algo tão raro de se ver. Tenho vontade de fotografar Paris assim, mas sou asmático e não tem sentido me arriscar neste momento.
Durante o confinamento saí e saio muito pouco, vou ao supermercado e à padaria. E logo volto para casa. Com esse tempo desacelerado, tenho revisitado os arquivos de tantos anos de reportagens, o que tem sido muito bom, pois me deparo diariamente com imagens que na época de uma primeira edição passaram sem importância e que hoje eu as vejo de uma maneira diferente. Também estou trabalhando numa série de fotografias que comecei no inicio do ano, em Janeiro – Fevereiro. Num passeio à Versailles notei que as estatuas estavam cobertas e os turistas que por ali passavam caminhavam sem se interessar pelo o que ali estava oculto. Das 221 estatuas que ornamentam seus jardins, muitas foram esculpidas no mármore. E são justamente estas que, por serem mais frágeis em suportar o mau tempo do inverno, são encobertas com uma lona grossa.
Eu, que gosto de fotografar personagens e tento dar a eles uma importância nas minhas reportagens e ensaios pessoais, achei curioso aquelas estatuas, que geralmente representam deuses, deusas, heróis e heroínas, mas ali presas e amarradas como se fossem condenadas. E esses espantalhos que encobrem a beleza exposta apenas nas outras estações se tornaram meus novos personagens.
Desde então estive em Versailles por três vezes e quando quis dar continuidade ao trabalho o governo Francês decretou o confinamento no país e o jardim fechou, interrompendo uma sequência que gostaria de ter prosseguido. Com esse trabalho, mesmo incompleto, comecei a notar que eu estava tratando no momento certo um tema que se tornou universal de uma hora para outra, que era o Confinamento das pessoas. Tenho o sentimento de que estar nessa prisão domiciliar forçada é também uma oportunidade rara de se confrontar consigo mesmo e de provocar mudanças.
No meu caso, a Fotografia me ajuda a avançar nesse confinamento. Imagino as estatuas originais prisioneiras do seu próprio tempo, de suas vidas, do que representaram um dia. Imagino que essa lona vem dar uma nova vida, mesmo que por um curto espaço de tempo. Forma-se assim um outro personagem, entre mistério e fantasia. Mas uma vez o mau tempo passando, ela volta a ser o que era, sem poder mudar o que sempre foi. No caso do nosso confinamento a gente pelo menos pode acreditar que uma mudança é possível, mesmo que a gente saiba que para sermos os mesmos vamos ter que mudar muito, como já dizia Don Helder Câmara.
E por isso a série se chama CONFINADOS.”